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Mulheres vítimas de violência mudam o padrão de visitas às unidades de saúde cerca de 90 dias antes do agravamento do caso

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Estudo pioneiro no Recife (PE) foi feito pela Vital Strategies em parceria com a FrameNet Brasil, laboratório de linguística computacional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), e analisou registros de 13 mil mulheres vítimas de violência no município.

A violência contra mulheres não é um problema apenas da segurança pública e sim um desafio intersetorial. Os dados da área de saúde, como prevalência, hospitalização e mortalidade por violência podem fornecer indicadores valiosos para identificação precoce das violências, permitindo intervenções antes que os casos cheguem à desfechos graves e fatais, como internação e feminicídio. A área de saúde tem um papel privilegiado na identificação das vítimas, já que é a porta de entrada de muitos casos de violência nos serviços públicos.

A Vital Strategies já vem trabalhando há anos em análise de dados que visam mapear as trajetórias de mulheres vítimas de violência nos sistemas de dados de saúde do Brasil. O objetivo é identificar padrões nas passagens dessas mulheres por unidades de saúde que possam predizer o agravamento de uma violência antes de ela ser notificada.

Diversos estudos nacionais e subnacionais já foram realizados analisando dados de uma mesma mulher em diferentes bases de dados do Ministério da Saúde – Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan)*, Sistema de Mortalidade (SIM), Sistema de Informações Hospitalares (SIH/SUS), e-SUS – e da Segurança Pública, como boletins de ocorrência.

O Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) é gerenciado pelo Ministério da Saúde, Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. A notificação de casos de violência contra mulheres identificados no sistema de saúde são objeto de notificação compulsória no Sinan.

Essas análises mostraram que muitos casos de violência contra mulher no Brasil não são notificados ou são notificados tarde demais. Enquanto cerca de apenas um quinto (19,5%) das notificações do Sinan são feitas pelos serviços básicos de saúde, a maioria (80%) só é feita pelos serviços hospitalares ou prontos-socorros. Ou seja, a violência só é notificada quando se torna mais grave, mesmo que aquela mulher já tenha tido outros atendimentos de menor gravidade na atenção básica em decorrência das violências sofridas, o que é o mais comum.

Uma notificação tardia é uma oportunidade perdida em agir para evitar a hospitalização ou morte daquela mulher. Um estudo da Vital Strategies, em parceria com a UFMG, revelou que mulheres que sofreram agressões e não tiveram essas ocorrências notificadas apresentaram um risco de morte oito vezes maior.

Piloto no Recife (PE)

O projeto no Recife, feito pela Vital Strategies em parceria com a FrameNet Brasil, laboratório de linguística computacional da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), analisou registros de 13 mil mulheres vítimas de violência. Essas 13 mil mulheres foram identificadas no Sinan, que sinaliza que elas foram vítimas de violência com certeza. Depois, foram analisados dados do e-SUS (prontuários médicos preenchidos em unidades da atenção básica, principalmente UBS) para mapear qual o volume de atendimentos dessas mulheres nas unidades de saúde e quais as razões desses atendimentos. Essas informações foram então comparadas com o conjunto de mulheres que foram atendidas nas unidades de atenção básica do município no mesmo período, mas que não tiveram notificação de violência no Sinan.

No caso das vítimas de feminicídio, identificadas no cruzamento entre os bancos de dados de violência e mortalidade, a análise mostrou que, em mais de 60% dos casos, o homicídio acontece 30 dias após uma notificação de violência ter sido feita no sistema de saúde (Sinan). Esse comparativo mostrou que 92 dias antes de uma mulher ter uma notificação de violência feita em seu nome no Sinan, ela começa a procurar com maior frequência os serviços básicos de saúde.

“Os dados mostram que há uma mudança considerável no padrão de uso dos serviços de atenção primária à saúde por parte das mulheres prestes a sofrerem uma violência mais grave. Isso mostra um padrão recorrente nos ciclos de violência, em que ela vai escalonando e aumentando de gravidade gradativamente. Se essa mudança de padrão é identificada precocemente, medidas podem ser tomadas para interromper essa escala, evitando desfechos mais graves como internações e até a morte”, explica Sofia Reinach, Diretora Adjunta do Programa de Prevenção de Violências da Vital Strategies.

Análise semântica e inteligência artificial: novos dados para mapear a trajetória das mulheres vítimas de violência nos sistemas de saúde

Como uma segunda etapa do projeto que analisou os dados dessas 13 mil mulheres vítimas de violência, Vital Strategies e FrameNet Brasil utilizaram uma tecnologia inovadora para incorporar mais um grande volume de informações úteis para identificar padrões nos atendimentos dessas mulheres nas unidades de saúde que podem ajudar a predizer um caso grave de violência. Por meio de metodologias de análise semântica e inteligência artificial, foi possível “ler” os textos escritos pelos profissionais de saúde nos campos abertos dos prontuários eletrônicos das pacientes e no Sinan.

Além das informações trazidas pelos dados parametrizados disponíveis nas bases do e-SUS, o mapeamento da trajetória dessas mulheres foi detalhado com a inclusão dos padrões identificados pela inteligência artificial. O uso desses novos dados mostrou mudanças nos relatos das mulheres vítimas de violência nessa janela de 92 dias antes da notificação de violência. “Aquilo que o profissional de saúde registra nos prontuários das mulheres vítimas de violência a partir de 92 dias antes do agravamento da agressão também muda. Algumas motivações para a busca por atendimento crescem, enquanto outras diminuem. Além disso, a análise semântica mostra também que essas mulheres estão não só relatando as situações de violência, como dando detalhes de como ocorrem.

Nessa janela de tempo, crescem os relatos de agressões físicas e abusos, com menções ao agressor e à parte do corpo foco da agressão. Quando se combinam o pareamento dos dados com a análise semântica, é possível ver não só uma mudança na frequência dos atendimentos, mas também nas motivações que levaram àquele atendimento.” explica Tiago Torrent, coordenador do Laboratório FrameNet Brasil de Linguística Computacional.

“Com esses dados, temos um indicativo claro de que é preciso traçar estratégias para antecipar a notificação de violência no Sinan e ‘ganhar’ esses 90 dias para fortalecer a assistência às mulheres em situação de violência e prevenir feminicídios. Nesse sentido, a Secretaria de Saúde do Recife já está, junto aos parceiros, em fase de implementação de um painel de visualização de dados, que apoiará a identificação de casos de subnotificação. A ideia é implementar ações de sensibilização e qualificação de profissionais da ponta para que façam a suspeição/identificação das violências, bem como realizem as notificações, reduzindo o subregistro e encaminhando as vítimas para os serviços de proteção’’, explica Luciana Albuquerque, Secretária de Saúde do Recife.

Oportunidade de aprimorar e testar modelo de IA em benefício público com responsabilidade e ética

Anonimização dos dados: para garantir que nenhuma informação potencialmente identificadora de nenhuma paciente ou vítima fosse acessada, um protocolo de anonimização dos campos de texto aberto do e-SUS e do SINAN foi criado e colocado em prática. Nomes próprios, endereços e números foram substituídos automaticamente por tags de anonimização, tais como [NAME], [NUMBER] etc.

Compromisso ético: modelos de linguagem automatizada (LLM) são amplamente utilizados para analisar e interpretar textos em diversas áreas. No entanto, quando se lida com temas sensíveis e específicos, como saúde e a violência de gênero, é essencial incorporar o elemento humano para assegurar que os resultados sejam precisos e éticos. O que foi feito em todo o projeto no Recife.

Essa intervenção humana permite uma classificação mais precisa e criteriosa dos dados. A IA é treinada com base em recortes específicos do tema de saúde, o que garante resultados mais confiáveis e alinhados com as necessidades do contexto. Além disso, a IA não toma decisões, mas entrega informações que são revisadas por humanos, garantindo maior precisão e transparência.

Sobre a Vital Strategies

A Vital Strategies é uma organização global de saúde que acredita que todas as pessoas devem ser protegidas por políticas e sistemas de saúde eficazes e equitativos. Nossa equipe trabalha com governos e a sociedade civil para conceber e implementar estratégias e políticas baseadas em evidências para enfrentar alguns dos maiores desafios mundiais de saúde pública. O resultado são milhões de pessoas vivendo vidas mais longas e saudáveis no mundo todo.

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